Nos últimos anos, a Literatura Moçambicana tem estado a viver bons momentos, consequência de um sem-número de eventos literários. Esses eventos vão desde a criação de editoras independentes, passando pela instituição de valiosas iniciativas de promoção da leitura, até ao surgimento de algumas livrarias.
No campo editorial, o país assistiu, na última década, ao nascimento de inúmeras editoras que chegaram a quebrar a bipolaridade entre as que até então dominavam o mercado editorial moçambicano. Às novas editoras, mais do que publicar livros, o que, na verdade, lhes permitiu agregar valor à literatura foi o facto de trazerem na bagagem iniciativas incríveis de promoção do livro e da leitura, para lá de apresentarem uma linha editorial especializada ― literatura africana, poesia, tradução, literatura infanto-juvenil, entre outras.
O Festival Fim do Caminho (ora descontinuado), da Ethale Publishing, o Festival Resiliência, da Cavalo do Mar, Ler é uma Festa, da Fundação Fernando Leite Couto, FLIK e FLIB, associados à Editorial Fundza, são exemplos de iniciativas pensadas ou desenvolvidas por editoras recentes com o objectivo de fazer circular o livro e consciencializar as pessoas sobre o lugar que o mesmo deve ter na educação da nossa sociedade.
A ousadia das editoras não parou por aí. Porque existe o obstáculo na distribuição do livro, algumas editoras tomaram a iniciativa de abrir livrarias, umas vezes para alargar o mercado, outras para dar maior visibilidade às obras nacionais, visto que as grandes livrarias existentes no país apenas davam atenção aos livros importados pela sua lucratividade. A Cavalo do Mar chegou a ter uma loja de livros no DEAL, a FFLC criou um espaço de venda de livros na sua sede, a Ethale Publishing tem uma livraria na Avenida Vladimir Lenine, na Cidade de Maputo. Fora da capital, a Editorial Fundza abriu uma livraria na Cidade da Beira.
Entretanto, por estas iniciativas não gerarem grandes receitas, serão sempre necessários apoios para manter a cadeia do livro funcional, os quais devem vir de diferentes segmentos da sociedade, e, sobretudo, do Estado, pelo facto do livro ser, segundo Francisco Noa, “um dos maiores patrimónios da humanidade, repositório milenar do saber e um dos fundamentos para a edificação do homem e das sociedades, em geral”.
É na conjugação dessas sinergias entre o sector privado e o Estado que se erguem os sete sonhos que gostaríamos de ver alcançados em 2023. Escolhemos apenas sete sonhos pelo facto de o número 7 ser o número da perfeição, o símbolo da totalidade do Universo em mudança. Sete são os dias que encerram a semana, sete são as cores da beleza do arco-íris, o símbolo da harmonia na diversidade. Então, vamos aos sete sonhos.
Primeiro sonho. Que saia da gaveta, duma vez por todas, o plano nacional de leitura, no qual devem estar alistados todos os títulos para a leitura obrigatória nas escolas primárias e secundárias do país, como acontece noutros países. Por exemplo, Brasil e Portugal.
A introdução de livros de leitura obrigatória iria cumprir dois objectivos: contribuir para o estímulo à criatividade, fértil nas artes e necessária para resolução de inúmeros problemas práticos; e contribuiria para a sustentabilidade da indústria do livro, uma vez que haveria uma oportunidade de se produzir livros em grandes quantidades, o que seria bom para as gráficas, editoras e livrarias.
Numa primeira fase, para a introdução dos livros de leitura obrigatória, caso o governo se demore na mobilização de fundos para a aquisição dos títulos, pode-se contar com o apoio das famílias, bastando, para isso, a emissão de um sinal de vontade política, que se pode manifestar através da criação de uma comissão para selecção dos livros literários e divulgação dos resultados numa cerimónia solene e com cobertura dos meios de comunicação social.
Segundo sonho. Que as autarquias tomem a iniciativa de atrair investidores do sector do livro para as suas cidades e vilas, começando pelos investidores do sector livreiro, pois há muitas cidades e vilas do país sem uma única livraria. As autarquias podem, por exemplo, identificar espaços ou infra-estruturas que podem ser atribuídos como facilidade para que os investidores implantem livrarias numa vila ou cidade.
Terceiro sonho. Que surjam mais prémios literários em todas as autarquias do país e funcionem à base de um regulamento justo, previamente elaborado, e geridos por gente idónea que possa credibilizar a nossa instituição literária.
Quarto sonho. Que se divulgue a Lei do Mecenato e que se removam todas as barreiras para a sua implementação, de modo a permitir o melhor envolvimento das empresas privadas no apoio à produção, distribuição e promoção do livro.
Quinto sonho. Que se encontre formas de colocar funcionais as bibliotecas públicas e escolares, através da formação dos bibliotecários para que possam dinamizar actividades de leitura dentro da biblioteca, e aumento do acervo bibliográfico.
Sexto sonho. Nas universidades, conforme sugeriu o Professor Doutor Ibraimo Mussagy, que hajam mais livros do que carteiras, pois o livro deve ser o centro da formação na universidade. Aliás, o conceito clássico de aula é: o contacto entre o aluno e a matéria.
Sétimo sonho. Que se multipliquem acções de mediação de leitura no país, incentivando-se a criação, pelo país todo, de clubes de leitura, que têm o poder de estimular o gosto pela leitura e proporcionar experiências várias aos mediadores.
Ao apresentarmos estes sonhos, temos ciência que podem cair em saco roto, pois estamos num contexto em que, de tanto haver coisas más, sonhar é uma ousadia. Quase todo mundo quer viver o que acontece, não o que se pode fazer acontecer. Esquecemo-nos que o que move a realidade, o que nos faz andar, é o sonho. E o sonho nunca é egoísta, nasce para os outros, se encaminha para futuro. Portanto, nós podemos sonhar uma melhor Cultura para a próximo. É possível. 2023 pode ser o ano dos sete sonhos.