“Debater a inclusão no FLIK é de suma importância”

Incluir é dar asas à imaginação. Por isso mesmo, a 5ª edição do festival do livro infantil da kulemba (flik 2022) faz da inclusão uma palavra-chave no imaginário das crianças, dos leitores, dos editores e, claro, dos escritores também. Aliás, um desses autores que julga interessante debater-se a inclusão, por ser um tema actual e de suma importância, é o patrono desta edição do flik, miguel ouana. Para o escritor, sensibilizar a sociedade a respeitar o outro e a diferença, através da arte literária, é tão urgente quanto indispensável. Nesta entrevista, complementarmente, o autor de a revolta dos bichos também explica por que considera que o país está a falhar na divulgação, realização de feiras, debates em torno do livro infanto-juvenil e, principalmente, na implementação do plano nacional de acção da leitura e escrita.

É o patrono da quinta edição do FLIK. O que esta confiança significa para si?

Ser patrono de um festival grandioso como este do livro infantil da Kulemba significa muita coisa para mim. Mais do que confiança, trata-se do reconhecimento do trabalho que tenho vindo a desenvolver na produção do livro infanto-juvenil, no País. Por essa razão me sinto honrado e responsabilizado para continuar nesta epopeia, escrevendo livros com qualidade, que os leitores exigem e merecem.

À semelhança do ano passado, a quinta edição do FLIK promove três concursos: contos, declamação de poesia e ilustração. Quais são as vantagens que podem advir dos três prémios?

Como sabe, os três concursos giram à volta do livro, por isso, a primeira grande vantagem tem a ver com a promoção da leitura e da escrita, de modo que jovens e adolescentes passem a gostar de ler e de escrever. A outra vantagem tem a ver com a possibilidade de emergência de novos escritores, que sairão do concurso de literatura, que consistirá na produção de contos pelos estudantes da 8ª à 12ª classe. Também prevemos o surgimento de bons declamadores, a partir do concurso de declamação de poemas, que serão de José Craveirinha, dado o facto de se estar no ano em que se celebra o seu centésimo aniversário natalício. Por último, espera-se que, com o concurso de ilustração, que terá como base um excerto do conto do patrono do FLIK, surjam bons ilustradores de livros infanto-juvenis.

No concurso de ilustração, as crianças e os adolescentes irão ilustrar um excerto do livro A revolta dos bichos. O melhor classificado do concurso poderá ilustrar o livro inteiro. O que pensa disso?

Penso ser esta uma boa iniciativa pôr os leitores a ilustrarem o livro. Seria muito gratificante tanto para mim como para o vencedor do concurso. Seria uma forma de sairmos do tradicional modelo, em que o ilustrador é escolhido a dedo pelo autor ou pela editora.

“A revolta dos bichos” convoca-nos a apreciar uma certa paisagem da natureza. O que quis fazer desta história? Trago neste conto o conflito homem-animal bem como a necessidade da preservação do meio ambiente. Coloco o homem a devastar a floresta, podo os animais sem tecto, o que lhes cria revolta. Eles juntam-se e fazem, tal como os homens, a cerimónia de evocação dos antepassados, de modo a reporem o seu habitat, o que veio a acontecer, mas com inundações sem precedentes na aldeia dos homens. Entretanto, no fim, houve reconciliação entre as duas partes em conflito. Vale a pena ler.

Depois de dois anos difíceis, o FLIK irá combinar, nesta edição, sessões presenciais e online. Num país em que no sector da literatura infanto-juvenil há muito por fazer, como é que os autores, editores e leitores devem envolver-se para que o livro e os debates cheguem às crianças?

Vamos por partes. As editoras devem apostar na produção de livros infanto-juvenis, como uma forma de preparar os futuros leitores dos outros livros que produzem. Devem promover feiras de livros infantis e juvenis, nas escolas e em outros lugares públicos, com preços promocionais. Os autores devem ir às escolas e a essas feiras, falar com os alunos e crianças e jovens. Esta actividade implica que os escritores criem laços com o Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano (MINEDH), de forma que o processo flua. Os leitores devem visitar as bibliotecas, as feiras do livro e participarem em debates e palestras sobre o livro.

No passado 2 de Abril, Dia Internacional do Livro Infantil, o Vice-Ministro da Cultura e Turismo lamentou o fraco acesso ao livro infantil e ainda disse que este género está concentrado em Maputo. Em que aspectos estamos a falhar?

Aqui era importante entender o que significa fraco acesso ao livro infantil, porque as editoras têm uma diversidade de título de autores moçambicanos deste género literário. É verdade que as livrarias estão concentradas em Maputo, mas, mesmo aqui, a circulação do livro infanto-juvenil é fraca. As bibliotecas provinciais e distritais estão sob alçada do Ministério da Cultura e Turismo e julgo que elas podiam facilitar o acesso do livro às crianças. Estamos a falhar na divulgação, realização de feiras, debates em torno do livro infanto-juvenil e, principalmente, na implementação do Plano Nacional de Acção da Leitura e Escrita. Os pais devem ser sensibilizados a envolverem-se neste grande projecto do Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano, que recomenda o recurso a livros de leitura complementar e obrigatória, para o desenvolvimento da capacidade de ler e de escrever, de modo que a qualidade do ensino atinja os níveis almejados por toda a sociedade.

O FLIK é o único festival do livro infantil no país. Como é que se procede para que esta iniciativa se desenvolva e alcance os seus objectivos?

Para que o FLIK alcance os seus objectivos tem realizado uma série de acções. O primeiro tem a ver com a ampla divulgação que faz sobre o evento. É só ver que o festival vai acontecer na segunda quinzena de Junho, mas já está a ser publicitado. Os incentivos, como os concursos acima referidos, são um bom chamariz para a participação massiva do público. Os descontos aplicados na venda dos livros, a presença de autores bem como de editoras concorrem para o alcance do almejado.

O lema da 5ª edição do FLIK é Incluir é dar asas à imaginação. Qual é a sua opinião em relação a um festival debater a inclusão? Sendo este um festival do livro, acho interessante debater-se a inclusão, por ser um tema actual e de suma importância, como forma de sensibilizar a sociedade a respeitar o outro mesmo que sejamos diferentes. É para isso que temos de ser criativos para contornarmos as diferenças e eliminarmos a exclusão.

Muitos dos autores que as crianças e adolescentes irão conhecer, entre 13 e 18 de Junho, não estão nos nossos manuais de Português do Ensino Básico. Quer comentar?

Causa-me alguma estranheza estar isso a acontecer, porquanto, quando eu trabalhava na Editora Escolar, a nossa maior prioridade era ter textos de autores nacionais, africanos e dos países da CPLP, por isso, não havia este tipo de questionamento. Entretanto, como já estão a surgir nos livros do Ensino Primário, alguns textos de escritores moçambicanos, é um mal menor, isso mostra que estamos, paulatinamente, a ganhar a consciência dessa necessidade e importância, pois é a partir daqui que se pode levar as crianças a irem atrás dos livros desses autores. Contudo, julgo o MINEDH deve, como entidade que define os critérios de avaliação do livro escolar, colocar como um dos requisitos o recurso a textos de autores nacionais nos livros de Português. Claro que não é para encher esses manuais com textos nossos, mas terem uma quota pré-definida.

Por que razão temos de persistir neste objectivo de levar o livro e a criatividade às crianças?

Tudo quanto tenha a ver com gosto, habilidade, capacidade, deve ser cultivado a partir da tenra idade, pois, quando isso acontece, dificilmente se consegue corrigir na fase adulta. O que notamos como fraca qualidade de ensino, no País, resulta da falta de cultivo do hábito e gosto de ler e escrever nas classes iniciais. Termino, dizendo: “De pequeno se torce o pepino.”

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